Ana Paula Werneck
Deborah Silva Enne
João Pitombeira de Carvalho
Mônica Baptista da Costa 
Priscilla Rangel Cruz


ABSTRACT 
During the period from the late 20’s to the early 40’s there were lively discussions in Brazil concerning the teaching of mathematics. Although these discussions should be viewed as part of the much more general debate about educational reforms in Brazil, they have their own dynamics and actors. This paper presents some of the principal themes and actors of the discussions about a new mathematics teaching in Brazil: traditional teaching as opposed to the trends present in Europe and the United States since the beginning of the century; the “revolution” in mathematics teaching was strongly supported by Euclides Roxo, who yielded great influence, because of his official position as head of Colégio Pedro II. Arlindo Vieira, on the other hand, represented brilliantly the traditional catholic teaching, centered mainly on the study of the classics.


RESUMO
O período entre o fim da década de 20 e o início da década de 40 presenciou, no Brasil, discussões vivas sobre o ensino de matemática. Embora estas discussões tenham que ser estudadas no contexto mais geral dos debates sobre a educação no Brasil, elas têm sua própria dinâmica e atores. Este trabalho apresenta alguns dos principais temas e atores das discussões sobre a reforma do ensino de matemática no Brasil: ensino tradicional em oposição às tendências presentes na Europa e nos Estados Unidos desde o início do século; a “revolução”no ensino de matemática foi fortemente defendida por Euclides Roxo, que exercia grande influência devido a sua posição oficial de diretor do Colégio Pedro II. Arlindo Vieira, do outro lado representava brilhantemente o ensino tradicional católico, centrado principalmente em torno do estudo dos clássicos.
A partir da década de 20, as discussões sobre as reformas educacionais ganharam, no Brasil, amplitude até então desconhecida. A economia brasileira estava “crescendo”, como também os interesses de grupos diversos da sociedade . A industrialização iniciada nos anos 20 criou a necessidade de mão-de-obra especializada. Por este motivo, os empresários idealizavam uma educação preparatória para o mercado de trabalho. Por outro lado, havia as antigas elites que reivindicavam uma educação voltada para a manutenção de sua situação privilegiada, educação esta geralmente nos moldes católicos. Por fim, o próprio Estado tencionava tomar as rédeas da educação e diversificá-la; assim, buscava combater o analfabetismo, levando a educação às classes mais desfavorecidas, preparando mão-de-obra para o mercado e também continuando a formar elites. Com isso, as discussões ganharam grandes proporções, centradas em duas questões: ensino particular, principalmente religioso versus ensino público, em princípio laico; e educação nos moldes tradicionais ou adotando uma recém-surgida proposta, a Escola Nova .
As reformas Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942) trazem em si o clima de tensão em que foram formuladas. Em meio a estas discussões maiores, interessam-nos as modificações implantadas no esino da matemática, que serão aqui abordadas a partir de duas propostas: o ensino nos moldes da Escola Nova, representado pelo Professor Euclides Roxo, diretor do Colégio Pedro II de 1925 a 1935 e vigoroso defensor das reformas de ensino de matemática divulgadas na Europa, principalmente na Alemanha, a partir do início do século, lideradas por Felix Klein; e o ensino particular católico, representado pelo Padre Arlindo Vieira, reitor e professor do Colégio Santo Inácio e militante fervoroso da educação católica tradicional. 
Na reforma de 1931, o professor Euclides Roxo foi o principal mentor na formulação do currículo de matemática , que depois de implantado gerou muitas críticas de várias facções do ensino, dentre elas a católica tradicional. Para a reforma de 1942, o ministro Capanema concedeu espaço às discussões prévias, para que se chegasse a um consenso , embora escolhendo cuidadosamente os participantes dos debates, sem permitir discussão ampla e aberta. Foram feitas, além disso, durante este período, vigorosas campanhas defendendo as várias concepções de escola e de ensino em livros e na imprensa. Na parte específica do ensino de matemática, travou-se longa disputa em torno dos programas implantados por Euclides Roxo no Colégio Pedro II desde 1929, nela figurando o próprio Euclides Roxo, Joaquim Ignácio de Almeida Lisboa, catedrático de matemática do mesmo colégio e outros professores da mesma disciplina.
Arlindo Vieira atacou publicamente os novos programas de matemática, em seus artigos em jornais, livros , e em suas cartas a Gustavo Capanema transmite as preocupações de professores de matemática do Santo Inácio, principalmente os Padres Achotegui e Chabassus . 
Paralelamente e de âmbito mais amplo do ponto de vista educacional, Arlindo Vieira empreendeu verdadeira cruzada por suas idéias, em artigos e livros publicados. Em seus protestos, duas questões eram constantes: o fim do ensino enciclopedista e o retorno do ensino clássico:
“Qual o remédio? o único remédio é refundir os programas atuais nos moldes dos estudos clássicos. 
Não são as novas reformas no estilo do sistema atual que nos hão de tirar dessa situação angustiosa (...) Nós que somos acusados de macaquear tudo o que vai lá por fora, porque não havemos de imitar, em matéria de ensino, os países mais cultos da Europa, que mantêm os tradicionais estudos clássicos, como base da formação intelectual da juventude?”[VIEIRA, 1934].
Arlindo Vieira combate ferozmente o “enciclopedismo” dos novos programas, a fim de abrir espaço para a volta dos “clássicos”, e ataca diretamente tanto de público como em sua correspondência com Gustavo Capanema os programas de matemática instituídos por Euclides Roxo em 1931, para a Reforma Campos.
No entanto, ao atacar os programas de matemática, Arlindo Vieira trouxe para a arena Almeida Lisboa, professor catedrático de matemática do Colégio Pedro II. Embora adversário de Euclides Roxo, com quem travou nas páginas do Jornal do Comércio deselegante polêmica em torno da reforma do ensino de matemática, dizendo que ela “acabara com o ensino de matemática no Brasil”, e que a matemática dos novos programas era “de jardineiros”, “de tribos africanas” [LISBOA, 1930], Almeida Lisboa correu prontamente à luta: 
“O padre Arlindo Vieira empenhou-se em combate contra aquilo que, por irrisão, se chama o nosso ensino secundário. (...)
Mas o ilustre padre exagera as vantagens do estudo do Latim sobre as de qualquer outra disciplina do espírito. 
Não lhe basta o predomínio da nobre língua: quer a sua exclusividade. Ora, a matemática não é menos instrutiva ou necessária do que o latim. Ela é, como ele, um fecundo exercício da inteligência. É um pensamento contínuo. A matemática encerra puríssimas belezas, gemas tão preciosas e fulgurantes quanto as mais ricas jóias de Cícero ou Virgílio. E, mais do que o Latim, é fonte inesgotável de infinitas aplicações e de imprevistos e maravilhosos inventos.
No seu plano de ensino secundário, deveria o padre Arlindo Vieira, ao lado do latim, reservar um lugar de honra para a Matemática. Entretanto, bate-se contra o grande número de horas que semanalmente lhe são destinadas e contra a vastidão enciclopédica de seus programas (...) E o eminente educador não tem razão.(...)
Os nossos programas de Matemática nada têm de vastos, nem de pomposos, ou enciclopédicos! São apenas ridículos. Os sábios professores estrangeiros que os percorrerem não ficarão espantados, como pensa o padre Arlindo Vieira, pela imensidade do que se exige do estudante brasileiro. Eles rirão somente; e rirão por motivos opostos aos que o padre supõe. E se folhearem também os livros de Matemática que destinamos à mocidade, e onde se desenvolvem esses programas, reconhecerão logo que não pode haver ensino onde não há professores...”[LISBOA, 1936].
Arlindo Vieira ataca também o modelo de ensino preconizado por Euclides Roxo, o de círculos concêntricos, onde o aluno acumularia aprendizado, partindo de conteúdos cujo grau de dificuldade aumentaria aos poucos. Segundo o Padre Vieira, este método seria dispensável, pois se o aluno assimilasse um conceito, saberia aplicá-lo em qualquer nível . Por sua vez, os Clássicos (Latim e Grego), ajudariam a desenvolver a lógica do aluno para qualquer aprendizado, da Matemática à língua pátria. Por outro lado, o Professor Euclides Roxo, em longa carta ao Ministro Capanema, protestando contra os cortes e modificações sugeridos pelo Padre Vieira, declara : 
(...) Devo ainda acrescentar que o programa por mim apresentado representa um considerável recuo em relação ao movimento renovador pelo qual propugnei a partir de 1928. Elaborei-o, aceitando várias sugestões de V. Excia., e animado do mais sincero desejo de, sem abdicar dos princípios fundamentais da orientação que venho defendendo, atender, tanto quanto possível, às várias correntes de opinião que no Brasil, infelizmente, já se vão formando sobre o assunto.” [FBV/CPDOC GC 41.09.03 I-10].
Quais os frutos deste embate de orientações? Percebemos como um dos resultados desta discussão a permanência do “caráter enciclopédico” nos programas de ensino de matemática da Reforma de 1942, visto que não há diferenças substanciais entre eles e os anteriores. Em particular, Euclides Roxo conseguiu manter nestes novos programas a presença do ensino do conceito de função e do cálculo infinitesimal no ensino secundário. 
Contudo, houve ganhos por parte da facção tradicional católica. Os grupos tradicionalistas, principalmente os católicos, conseguiram reconquistar parte do espaço perdido no processo de laicização do ensino iniciado em meados do século passado. Como exemplo, as aulas opcionais de formação religiosa, e a liberação de verbas para incentivar a criação e a manutenção de instituições religiosas de ensino. Como diz Oliveira Lima :
Finalmente, 183 (cento e oitenta e três) anos depois de sua expulsão, os jesuítas encontraram ocasião, embora simbólica, para revanche contra Pombal: direta ou indiretamente, impuseram ao país uma “reforma”no mais rigoroso estilo escolástico, (segundo dizem, cópia fiel da reforma Gentile aplicada por Mussolini na Itália). Esta abrupta reviravolta, após o cientifismo campista, fez a história regredir, precisamente, para o ano em que os jesuítas deixaram o país. 
Arlindo Vieira, o pragmático, e sobretudo, o admirável Leonel Franca, o filósofo do renascimento católico do Centro Dom Vital, direta ou indiretamente devem ter sido os “ideólogos”desta reforma cuja tônica era o estudo, por sete longos anos, do LATIM (...) Elaborada em pleno consulado getuliano (1937-1945), a reforma dispensou qualquer debate público, sendo elaborada por um grupo de trabalho restrito e imposta como forma estreita e pressurizante a um “sistema” escolar em momento de explosão”. [LIMA 1974], p. 101.
Após este período de turbulência e embates em torno do ensino de matemática, só houve modificações substanciais no mesmo com a chegada no Brasil do movimento da “Matemática Moderna”, na década de 60. Mas isso já é toda uma outra história.


REFERÊNCIA:
ZETETIKÉ/UNICAMP, Faculdade de Educação, Revista do Círculo de Estudo, Memória e Pesquisa em EducaçãoMatemática. v.4, n.5, jan./jun. 1996, pg.49-54.
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